Como ensinar cachorro a fazer xixi no lugar certo?

Ao chegar em casa após um dia de trabalho, a administradora de empresas Suzana Junqueira, 30 anos, de São Paulo, se apressa para soltar seu Yorkshire Terrier, Scooby, de 2 anos.

Sempre que sai, ela fecha o cãozinho no quarto de visitas, com comida, água e tapetinho. “Se o deixo solto, ele faz as necessidades por toda a casa – nada escapa, nem minha cama, nem o sofá, nem o fogão novo, cujo pé enferrujou de tanto xixi que Scooby fez lá”, reclama Suzana.

Cenários de “horror” como esse são os líderes de reclamações entre donos de cachorros e, também, a principal causa de abandono de animais em abrigos, segundo revela pesquisa feita nos Estados Unidos pelo Departamento de Medicina Veterinária da Purdue University, de Indiana. A principal conclusão dos pesquisadores é que a maioria das pessoas não sabe corrigir os maus hábitos de seus cães.

O caso de Scooby reflete essa realidade. “Quando ele chegou do canil, veio treinado, fazia as necessidades no jornal, tudo certinho”, conta Suzana. “Até o dia em que, ao voltar do trabalho, encontrei xixi de Scooby no sofá, gritei com ele, a cena voltou a se repetir e acabei trocando o jornal por tapetinho — imaginei que pudesse ser mais atraente para ele, mas tudo em vão”, resigna-se.

Nem por isso o Yorkshire deixou de ser amado por Suzana. À noite, ela faz questão de mantê-lo solto, mesmo sabendo que terá de aguentar as “consequências” nos mais variados lugares da casa. “Acho até que faz por birra, não é possível”, desabafa.

“Atribuir esse tipo de comportamento canino à birra é muito comum”, observa Carolina Rocha, médica-veterinária e mestranda em comportamento animal no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). “Mas a utilização de locais variados como banheiro indica que, na verdade, Scooby não sabe qual é o lugar certo para fazer as necessidades.”

A quem sofre o problema, Carolina dá esperança. “Todo cão pode aprender a usar o banheiro – o que muda é a demora para obter resultado”, assegura ela. “A rapidez do aprendizado pode variar de uma única aula até algumas semanas, dependendo de variáveis como a maneira de treinar, a correta aplicação dos reforços positivos (devem ocorrer sempre que o cão apresentar o comportamento certo), a persistência do treinador e há quanto tempo o cachorro tem o mau hábito.”

Treinamento de cachorro

Tanto para filhotes quanto para adultos, cada sessão de treino começa logo depois de acordar ou 20 a 30 minutos após a ingestão de comida ou água, ocasiões em que os cães costumam fazer as necessidades. Também estimulam a evacuação as sessões de brincadeiras, morder brinquedos ou ossos ou, ainda, estar sem urinar nem defecar por 3 a 4 horas (ou 2 a 3 horas, nos filhotes com menos de 4 meses de vida).

Assim que o animal começa a farejar o chão insistentemente e a girar em torno de si mesmo ou a raspar o piso, é preciso levá-lo calmamente para o lugar onde fica o banheiro dele. Ao chegar lá, aguarda-se até ele começar a evacuar, ocasião em que se usam palavras de incentivo como “muito bom”, ditas de maneira carinhosa. Assim que ele termina, a associação positiva é reforçada com carinhos.

• Garantir os acertos: no começo, a indicação é deixar uma ampla área do “banheiro” forrada com folhas de jornal ou tapetes higiênicos, para ficar praticamente impossível de acontecer erro. Na medida em que aumenta a desenvoltura do “aluno”, a área de forração é reduzida até ficar equivalente a meia folha de jornal ou a um tapetinho, se o cão for pequeno. Se ele tiver o porte de um Labrador, a forração terá o dobro da área, ou o triplo, se for ainda maior;

• Caso ocorra tentativa de evacuar em local errado: diga “não”, sem elevar o tom de voz. Provavelmente, o cão interromperá a ação. Aproveite o vacilo para levá-lo calmamente até o local escolhido, mas não brigue com ele e nem bata nele;

• Ao descobrir evacuação em lugar errado: não diga nada nem retire, na presença do cão, as fezes que estão onde não deveriam estar. Cães adoram a atenção do dono e quando a conseguem praticando uma ação, tendem a repeti-la. Ao fazer a limpeza, elimine qualquer resquício de cheiro de urina e fezes e bloqueie o acesso à área por algum tempo, para que o cão perca o costume de usar o local;

• Nunca seja agressivo: atitudes como bater no cão e esfregar o focinho dele sobre o xixi ou cocô podem trazer consequências comportamentais significativas. “Entre as possíveis estão o medo, a coprofagia (ato de comer as próprias fezes), a agressividade e a contenção da evacuação na frente dos donos”, detalha Joice Peruzzi, médica-veterinária especializada em comportamento animal do Pet Estar, site sobre posse responsável e convívio com animais;

• Avalie cada caso: Joice lembra que cada ocorrência de urina ou fezes fora do lugar deve ser avaliada individualmente, pois outras situações como apego excessivo ao dono, ansiedade por ficar sozinho e medo de cômodos também podem resultar em eliminação em local errado;

• Seja consistente e persistente: siga corretamente o treino, repetindo sempre o mesmo padrão. Não desista se o aprendizado estiver demorando. “Os cães sempre acabam aprendendo, mas isso depende muito do empenho do tutor”, comenta Carolina.

O cão começou a evacuar em outro lugar?

Às vezes, o cão vinha usando corretamente o banheiro e, de repente, passa a fazer as necessidades em local errado. É provável que ele tenha encontrado um forte atrativo no novo lugar, como uma textura mais agradável de forração, que pode ser uma fralda, outro jornal, areia, piso molhado, piso de pedra porosa, grama, terra, entre tantas possibilidades. Caberá a você reverter o quadro.

• Nada deve perturbar no banheiro oficial: o “banheiro” precisa atender a um conjunto de requisitos para não desmotivar o cão. Precisa estar situado em área tranquila, com pouco tráfego de pessoas; ter piso que agrade ao animal; ficar em cômodo diferente daquele onde ele descansa e come ou estar suficientemente afastado da caminha e dos potinhos para formar um ambiente à parte. Limpeza também é importante. “Troca-se o tapete higiênico quando os quatro cantos estiverem sujos ou a cada uso, se a forração for de folha de jornal”, orienta Joice. “Convém também limpar o ambiente do ‘banheiro’ a cada dois ou três dias”;

• Acesso desimpedido: o cão deve conseguir chegar facilmente ao “banheiro” a qualquer momento do dia ou da noite. Em casas onde a circulação fica parcialmente bloqueada em determinados horários ou com vários pisos e escadas de difícil circulação, recomenda-se deixar mais de um “banheiro” à disposição do cão;

• Tornar desagradável o lugar usado incorretamente: cubra o piso do local a ser evitado pelo cão com plástico, plástico bolha ou fita adesiva de dupla face para que ele se sinta incomodado quando pisar ali;

• Dificultar o acesso ao local indesejado: restrinja ao máximo o contato do cão com o lugar indesejado, até “quebrar” o hábito;

• Atenção aos produtos de limpeza: “Produtos à base de amônia, com seu odor característico, estimulam o cão a urinar nos locais onde são passados”, comenta Carolina. Ela sugere também que a limpeza da área onde fica o banheirinho seja feita com produtos específicos para retirar o odor da urina, vendidos em pet shops e lojas especializadas.

Como ensinar cachorro a fazer necessidade na rua?

Se você deseja que o seu cão faça as necessidades na rua, treine-o aumentando a frequência das saídas com ele. A maioria dos cães aceita bem essa possibilidade, mas nem todos. Alguns simplesmente não gostam de fazer xixi na rua, outros têm medo de pessoas ou de carros e bicicletas em função de algum trauma vivido no passado.

Quando você estiver na rua com o cão e ele der sinal de que vai evacuar, deixe-o à vontade. Evite, é claro, que faça as necessidades em local de passagem de pessoas. E não se esqueça de recolher o cocô.

Depois de o cão estar acostumado a usar a rua, é preciso levá-lo para lá pelo menos três vezes por dia. É importante também ter um banheiro estepe em casa, para atender aos imprevistos e às ocasiões em que fica difícil ir à rua, como quando chove. “Sem banheiro estepe, a recomendação é sair com o cão no mínimo quatro vezes por dia”, avisa Joice.

Vale ressaltar que caso você não tenha disponibilidade de tempo é melhor não se comprometer com essa prática, pois pode acarretar em problemas graves no seu pet por ele segurar durante muito tempo o xixi e o coco.

Comportamento canino: demarcação territorial

Nem sempre xixi fora do lugar significa mau uso do “banheiro”. “Quando o cão urina em pequenas quantidades, às vezes até em gotas, e geralmente em superfícies verticais, provavelmente está demarcando”, observa Carolina.

A demarcação é praticada por cães adultos, principalmente machos não castrados, mas algumas fêmeas também marcam durante o cio. “Nessas duas situações, a castração resolve em cerca de 80% dos casos. Quanto mais jovem for o cão ao ser castrado, menores as chances de ele adquirir o comportamento indesejado. Isso porque, depois de iniciada, a demarcação deixa de ser apenas instintiva para se tornar também aprendida”, avisa Carolina. “Nesse caso, o cão que demarcava antes de ser castrado, poderá necessitar de treinamento até abandonar o hábito.”

As demarcações são mais frequentes em locais já marcados por outros cães ou que têm cheiro de outros animais ou pessoas. Dentro de casa, as quinas e os cantos são os alvos preferidos. Também podem ser marcados objetos que ainda não adquiriram o “cheiro da casa”, como sacolas recém-trazidas do supermercado.

Redirecionamento da demarcação

É possível redirecionar as demarcações de modo que deixem de incomodar ou que venham a incomodar menos. Para tanto, adote as seguintes iniciativas:

• Acabe com qualquer odor que possa estimular a demarcação: limpe muito bem o local demarcado com produto à base de enzimas ou bactérias;

• Impeça o acesso ao local recentemente demarcado: faça barreiras ou feche a porta de modo que o cão não consiga chegar ao lugar;

• Crie ponto alternativo de demarcação: por exemplo, use um cone com odor de urina de outro cão. Reforce positivamente as aproximações do cão ao cone com carinho, atenção e dizendo “muito bom”. Caso ele também demarque o cone, premie-o com algo extra: um petisco. Em pouco tempo, o cão estará marcando somente o cone.

Desobediência pode ser problema de saúde

A evacuação fora do “banheiro” pode acontecer por um descontrole resultante de problema de saúde, como displasia coxofemoral, osteoartrite, diabetes, infecções ou inflamação urinária. A disfunção pode também ter origem comportamental, como medo, fobia, estresse, excitação ou ansiedade de separação. Nesses casos, um médico-veterinário ou um comportamentalista da área animal poderão ajudar a solucionar o problema