Alergia alimentar em foco

Médico-veterinário americano analisa crescimento do problema, a influência dos alimentos transgênicos e do excesso de humanização dos pets

Por Júlio Mangussi

Uma dieta restritiva e hipoarlegênica pode melhorar a saúde do seu pet

A alergia alimentar geralmente se apresenta por meio de problemas dermatológicos. São lesões que aparecem na pele, falhas na pelagem, além da coceira, que pode ser intensa ou não. Entre os sintomas, observa-se ainda vômitos e diarreias. Mas o que pode deflagrar uma alergia alimentar? Basicamente, trata-se de um alérgeno, ou seja, algo externo que desencadeia o desenvolvimento da alergia no corpo. Nesse caso, um alimento ou substância específica que é ingerida pelo pet.

O que tem gerado curiosidade é que cada vez mais as alergias alimentares têm sido frequentes nos animais. Não à toa, indústrias de ração tem formulado produtos específicos para combater esse problema. Em visita ao Brasil, o médico-veterinário norte-americano Dr. Douglas DeBoer, que leciona na Universidade do Wisconsin Madison (EUA), compartilhou algumas curiosidades sobre o tema. Presidente da International Committee on Allergic Diseases of Animals (ICADA), ele ministra palestras sobre o assunto para veterinários do mundo inteiro.

Segundo o professor, a maioria dos cães com alergias têm infecções de pele recorrentes como parte de seu problema, causadas por leveduras ou até mesmo por bactérias Staphylococcus. “De qualquer forma, as infecções podem causar um desconforto severo, tendo como agravante o fato de estarem se tornando cada vez mais resistentes ao tratamento antibiótico”, atenta.

Crescimento do problema

De acordo com o americano, os casos de alergia têm crescido ao redor do mundo devido a dois fatores centrais. Um deles, que atinge inclusive os humanos, diz respeito a fatores ambientais e de alta higiene, que podem ser gerados por distintas causas. Esses fatores provavelmente operam nos pets também. O professor cita um curioso exemplo de como o desenvolvimento e as alterações que o meio ambiente tem sofrido influenciam na geração de alergias. “A quantidade de alérgenos que são produzidos por certas plantas vai aumentar tanto quanto o teor de dióxido de carbono aumenta no ar. Então, em humanos, dizem que o aumento global do teor de dióxido de carbono pode demonstrar que certas plantas estão causando mais alergias agora do que elas costumavam causar”, explica o americano, supondo que talvez isso aconteça como uma forma de defesa dessas plantas. “Claro que não sabemos se esse é o caso dos animais, mas talvez também seja”, completa.

Outro fator central ressaltado pelo médico-veterinário diz respeito ao aumento da ligação entre humanos e pets. As pessoas estão mais atentas, considerando mais os riscos que os peludos podem sofrer, oposto de 20 anos atrás, por exemplo. De acordo com ele, o fato de os tutores dos animais considerarem mais esses riscos de saúde gera uma demanda maior de cuidados por parte dos donos. Ou seja, o olhar mais atento e preocupação com o pet contribuem para o aumento dos diagnósticos de tais alergias.

 

Humanização dos pets

Em voga nos últimos anos, a humanização dos pets já é um conceito consolidado na maioria das famílias que possuem um. O problema é que ele também pode contribuir para o desenvolvimento de alergias, ainda que muitas vezes indiretamente.

Não é preciso ressaltar, por exemplo, que oferecer alimentos humanos, contraindicados para os pets, é extremamente prejudicial. Além de contribuir para que o pet engorde, ainda pode gerar problemas gastrointestinais. Petiscos como chocolate ou alimentos carregados em tempero, alho e cebola, são ótimos exemplos de comidas prejudiciais.

O excesso de mimos e higiene também pode contribuir para o desenvolvimento de alergias. Douglas ressalta que há um conceito em alergia em pessoas que é bem claro: do processo de alta higiene. “Isso quer dizer, por exemplo, que na verdade é benéfico para as crianças serem expostas a microrganismos e coisas do tipo. É bom que crianças pequenas tenham infecções normais que crianças costumam ter”, pondera o professor. De acordo com ele, não é raro constatar que em países que aumentam os cuidados com saúde cresce também a incidência de alergias, já que mais medicamentos, como antibióticos, são utilizados em excesso, entre outros fatores. “É importante manter o ambiente limpo, claro, mas não muito e tão esterilizado assim”. Com os animais não é diferente. A proteção excessiva, descaracterizando intensamente seus instintos e o ambiente a que a espécie está acostumada a viver, pode ser prejudicial.

Transgênicos e agrotóxicos

Muito debatidos quando se trata da alimentação humana, os alimentos transgênicos poderiam influenciar de alguma forma no desenvolvimento de alergias em pets? Para o professor não é possível afirmar isso, pois não há estudos com pets que apontem para essa influência. “Eu realmente acho que, em outras espécies, como em humanos, há poucos indícios de que alimentos modificados geneticamente afetem alergias de pele”, analisa. De acordo com Douglas, o mais importante é ter uma boa nutrição, apropriada para o tipo do animal. “Eu acho que a fonte não é tão importante como uma boa nutrição”, completa.

O mesmo conceito se aplica ao uso excessivo de pesticidas e agrotóxicos nos alimentos utilizados para a produção de rações para os pets. “Nós temos que perguntar quais são as evidências, evidências publicadas, de que pesticidas, poluição ambiental ou organismos geneticamente modificados, qualquer evidência que contribua para o efeito de doenças de peles de animais. E a resposta é que não temos estudos sobre”, explica. O professor pondera que o uso de tais produtos tóxicos, conforme as substâncias que contêm, podem ser muito perigosos para a saúde humana. Contudo, ele atenta para uma diferença grande entre nós e os animais: enquanto nós vivemos cerca de 100 anos, os pets vivem cerca de 10. Dessa forma, portanto, nós temos mais possibilidades de sermos expostos cronicamente a algo que pode gerar problemas de saúde. “Muitos problemas que talvez podem surgir pela exposição crônica não existem em pets, pois as vidas deles são mais curtas.”

Alimentação adequada

O professor lembra que é comum encontrar um tutor que ressalte que não é possível que o animal esteja com alergia, pois o alimenta sempre com a mesma comida todos os dias. Douglas explica, porém, que raramente uma alergia alimentar é gerada por um alimento ingerido de forma pontual pelo pet. “Uma alergia alimentar típica é desenvolvida caso o animal se alimente, comumente, durante um período longo de tempo de certo alimento”, salienta.

Para o professor, esse é um dos grandes desafios do médico-veterinário. O profissional precisa explicar detalhadamente para o proprietário do animal de estimação a importância de seguir uma dieta restritiva e hipoarlegênica, caso assim seja prescrito pelo veterinário de confiança do paciente. Não é possível abrir exceções durante o tratamento, ressalta o especialista norte-americano. “Muitos animais de estimação que apresentam coceira na pele tem algum componente de alergia relacionada aos alimentos, o que pode ser melhorado com uma dieta adequada”, finaliza Douglas.


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