Animais em condomínio: direitos e deveres

Conheça como a lei defende quem tem animais de estimação em condomínio e quais são as obrigações dessas pessoas

Por Marcos Pennacchi e Samia Malas

Garantir a segurança e bem-estar: deveres do tutor.

CÃES EM CONDOMÍNIO: DIREITO CONSTITUCIONAL

Morar em condomínio é uma tendência que continua em expansão. Seja ele vertical, formado por apartamentos, seja horizontal, ocupado por casas. É um estilo de vida que se destaca pela maior segurança dos moradores e pelo compartilhamento das áreas comuns e de diversos funcionários. Via de regra, os vizinhos moram mais próximos um do outro do que nas moradias de rua. Há regras de convivência que devem ser seguidas e um síndico para zelar pelo seu cumprimento.

Nos condomínios, os animais de estimação são mais observados pela vizinhança do que nas casas de rua. Dar uma volta com eles implica em passar por áreas comuns, com normas a serem respeitadas. Mesmo dentro de casa os animais são alvo de maior atenção. Barulhos, mau cheiro, falta de higiene, rosnados e outros comportamentos não exemplares podem dar origem a reclamações dos vizinhos.

Com o passar dos anos, os direitos dos condôminos e dos condomínios foram se tornando mais claros. As pessoas também se tornaram menos submissas a normas abusivas, mesmo aquelas que se esforçam para conviver bem com os vizinhos.

Em busca de uma visão moderna dos direitos e deveres dos proprietários de animais que vivem em condomínios, Cães&Cia buscou duas fontes de informação. Uma é a advogada Sabrina Bonini, da Bonini & Biron Advogados Associados, do Rio de Janeiro.

A profissional ficou famosa por ter obtido a primeira liminar derrubando a imposição condominial de o cão usar exclusivamente a rampa da garagem para sair do prédio onde vivia (veja quadro “Luta que deu certo”).

Outra importante fonte é o manual Animais em Condomínios, da jornalista Daniela Catelli, lançado em 2011 pela Agência de Notícias de Direitos Animais (Anda), que se dedica aos direitos animais. “O material foi montado a partir de pesquisas feitas em casos e jurisprudências judiciais, relata a diretora de jornalismo da Anda, Silvana Andrade.

A matéria contou também com a participação do advogado da Anda, Murillo Onesti, sócio-proprietário do escritório Rodrigues Onesti & Lima Neto Advogados, que fez uma revisão geral de seu conteúdo. Conheça, a seguir, os direitos de condôminos e condomínios, segundo esses especialistas.

  • DIREITOS DOS CONDÔMINOS

Como não existe legislação específica sobre o tema, um conjunto de leis é usado por juízes e advogados para delimitar os direitos dos condôminos. Os privilégios mencionados a seguir têm como lastros principais a Constituição Federal (de1988), o Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40), a Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98) e a Lei da Proteção Animal (Decreto 24.645/34).

Cada condômino pode ter quantos animais de estimação quiser, do porte que desejar

A Constituição Federal assegura o direito de propriedade em seus artigos 5 (parágrafo XXII) e 170. Todos têm o direito de usar, gozar, usufruir e dispor de seus bens (animais de estimação são bens, segundo a lei), sem a interferência de terceiros, nem mesmo do condomínio. A guarda de animais, portanto, não pode ser proibida pelas Convenções Condominiais.

• Levar o animal no elevador

Quanto mais alto o andar do apartamento, mais o elevador se torna essencial para viabilizar a livre circulação prevista pela Constituição. Além disso, obrigar a usar escadas constrange alguém a não fazer algo que a lei permite (andar de elevador), e isso é crime conforme o Código Penal (artigo 146). Dependendo do estado de saúde do animal, forçá-lo a descer e a subir escadas pode configurar também maus-tratos e infringir a Lei dos Crimes Ambientais (artigo 32) e a da Proteção Animal (artigo 3). É aceitável que o condomínio exija o uso de elevador de serviço para transporte de animais. Mas, se o elevador de serviço não estiver em funcionamento, deverá ser permitido o uso de elevador social.


OBRIGAR CÃO A USAR ESCADAS: FERE DIREITO DE IR E VIR – 

O condômino pode circular com seu animal no condomínio sem precisar levá-lo no colo nem colocar focinheira nele, se for dócil

Forçar os condôminos a circular nas áreas comuns ou no elevador levando o animal de estimação no colo é crime de constrangimento, previsto no Código Penal (artigo146). Isso porque a obrigatoriedade impede as pessoas de fazer o que a lei permite, ou seja, conduzir o animal caminhando. Além disso, a obrigatoriedade de levar o animal no colo não é praticável por quem tem animal pesado ou não desfruta de total capacidade física, como idosos e crianças.

Já o uso da focinheira em cão que não oferece risco é um desconforto desnecessário, um desrespeito à dignidade dele. Trata-se de ato abusivo, penalizado pelas Leis dos Crimes Ambientais (artigo 32) e da Proteção Animal (artigo 3).

Passeios com o animal nas áreas comuns não podem ser proibidos

Andar pela propriedade faz parte do conceito da livre circulação, direito previsto na Constituição (artigo 5, parágrafo XV).

• Circular com animais é também direito das visitas dos condôminos

 Visitantes também têm direito a usufruir de seus bens, inclusive os animais de estimação deles. Proibir o acesso de visitante acompanhado pelo pet seria um constrangimento ilegal, por impedi-lo de fazer algo que a lei permite (Código Penal, artigo 146). O manual da Anda considera plausível que, caso ocorra o impedimento, tanto o visitante quanto o condômino peçam indenização por danos morais.

DIREITOS DO CONDOMÍNIO

O bom senso deve nortear as relações entre condomínio e condôminos. O direito de um não exclui o do outro. Por um lado, é inviolável o direito de propriedade, assegurado pela Constituição Federal de 1988 e isso garante ter animal de estimação em casa, independentemente do que dispõe a Convenção de Condomínio. De outra parte, existe o direito dos vizinhos ao sossego, à salubridade e à segurança.

Os princípios básicos que norteiam os direitos dos condomínios estão em grande parte no Código Civil (Lei 10.406/02) e na Lei dos Condomínios (Lei 4.591). O Código Civil estabelece que o condomínio não deve ser usado de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos condôminos (artigo 1.336, parágrafo IV).

 Outro artigo estipula o direito de o condomínio fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha (artigo 1.227). Há ainda o artigo que define o direito de o condômino usar as partes comuns do condomínio, contanto que não exclua a utilização dos demais condôminos (artigo 1.335). Esses conceitos são complementados pela Lei dos Condomínios, com a proibição do uso de unidade condominial de forma nociva ou perigosa ao sossego, à salubridade e à segurança dos demais condôminos (artigo 10).

Proibir a presença no condomínio de animal que ofereça ameaça ou prejudique o sossego

Trazer prejuízo à segurança, saúde ou sossego dos condôminos é motivo suficiente para o condomínio proibir a presença de animal. Outro motivo é o pet ser portador de zoonose ou de doença infecto-contagiosa. Mas não se justifica o condomínio impedir a guarda do animal só porque ele danificou a área comum ou seus dejetos não são recolhidos. “Nesses casos, o condomínio tem o direito de exigir ressarcimento financeiro pelos prejuízos havidos bem como requerer que os estragos sejam reparados”, opina a advogada Sabrina Bonini. Interferência das mais comuns é a dos cães que latem ou uivam demais, gatos que miam alto sem parar, aves como Araras que gritam de madrugada.


ATITUDE INVASIVA: VIZINHANÇA DEVE SER RESPEITADA –   

A Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei 3.688/41) é bem explícita com relação ao tema. Define como crime a perturbação ao trabalho ou sossego alheios por barulho de animal (artigo 42, parágrafo IV).

Quando frequente, o ruído das unhas de animal em contato com o piso pode incomodar muito o vizinho de baixo. Nesse caso, a solução é manter as unhas aparadas ou cobrir o piso com tapete ou carpete. Se a barulheira decorrer de fome, sede, solidão, dor ou isolamento, o responsável pelo animal poderá ser incriminado por prática de abuso ou maus-tratos com base na Lei de Crimes Ambientais (artigo 32) ou abuso e crueldade, pelo Decreto de Proteção Animal (artigo 3, parágrafo I).

• Exigir condução segura dos animais por parte dos condôminos

Mesmo o animal dócil e adestrado pode ter atitudes espontâneas repentinas colocando em risco vizinhos, funcionários e visitantes do condomínio, bem como outros animais. O próprio animal pode se meter em encrencas, como ser atropelado por um carro que está em manobra. Por isso, controlar bem os animais na área comum é uma necessidade. Usa-se guia curta, por permitir manter o animal mais próximo ao condutor e ter maior domínio sobre ele.

Obrigar animais de grande porte e/ou agressivos a usar focinheira é a maneira de assegurar sossego e segurança às pessoas e outros animais que se encontram no condomínio.

Não permitir que crianças pequenas conduzam animais sem supervisão é mais uma iniciativa a favor do sossego de pessoas e outros bichos. Muitas vezes, elas nem mesmo têm força suficiente para conter o animal.

 • Obrigar os condôminos a limpar os dejetos de seus animais nas áreas comuns

Esse cuidado tem a ver com assegurar a salubridade do condomínio e a saúde dos que por lá circulam, incluindo as pessoas e os seus animais, conforme menciona o Código Civil e a Lei dos Condomínios. O próprio condutor do animal deve fazer a limpeza de imediato e deixar o local limpo e sem odores dos dejetos.

• Exigir que os condôminos mantenham a higiene dentro das unidades residenciais

          A falta de higiene no interior de unidades habitacionais do condômino pode prejudicar os vizinhos por atrair insetos e doenças, bem como por causar mau cheiro. Ao mesmo tempo, há risco para o bem-estar do próprio animal, o que pode ser considerado abuso e maus-tratos pela Lei de Crimes Ambientais (artigo32)

Também a Lei de Proteção Animal penaliza a manutenção de animal em local anti-higiênico (artigo3, parágrafo II). Neste caso, vizinhos podem acionar o infrator, o qual fica sujeito a perder a tutela do animal, assim como o condomínio pode acioná-lo por perdas e danos.

  • Luta que deu certo

A Boxer Nahla, da publicitária e fundadora do site Galera Pet, Sabrina Zamith, do Rio de Janeiro, viveu sempre em apartamento. Descia pelo elevador de serviço ou pelas escadas e saia do prédio pela rampa da garagem, conforme permitiam as normas do condomínio.

Em 2013, com 12 anos, Nahla foi acometida por artrose incurável. Para diminuir a dor e o sofrimento dela, o veterinário proibiu que subisse e descesse escadas, rampas e ladeiras. Sabrina, então, pediu autorização para entrar e sair do prédio com Nahla pela portaria de serviço em vez de pela rampa da garagem. Aí começaram as dificuldades. A síndica não aprovou a solicitação.

Em vez disso, sugeriu que Sabrina carregasse a Boxer no colo, sem levar em conta a argumentação de que os 30 quilos de Nahla eram demais para ela erguer. “Conversei e dialoguei muito com a síndica para que me autorizasse a usar a portaria de serviço com Nahla, mas ela não aceitou”, relata a publicitária Contra a determinação da síndica, Sabrina passou a usar com Nahla a portaria de serviço, conduzindo-a na guia. Resultado: recebeu notificação de multa com cópia do livro de reclamações do condomínio constando cada uma das passagens não autorizadas. “Fui ao Ministério Público e entrei pessoalmente com reclamação”, conta Sabrina.

A iniciativa resultou em notificação para a síndica sobre a ilegalidade de obrigar a Boxer a subir rampa, já que configurava maus-tratos, crime sujeito a pena de detenção por 3 a 12 meses ou multa. Sabrina, por sua vez, continuou a sair com Nahla pela portaria de serviço, conduzindo-a sempre pela guia.

A gota d’água que fez Sabrina procurar ajuda profissional para processar o condomínio foi ter recebido nova multa pouco tempo depois. Para defendê-la, contratou a advogada Sabrina Bonini.

O processo se baseou no conceito de maus-tratos, o mesmo anteriormente utilizado pelo Ministério Público, esclarecendo que animais também sentem dor e sofrem. Outro embasamento foi o artigo 5 da Constituição, que garante o “direito de ir e vir” a todos os cidadãos.


NAHLA APÓS LIMINAR: LIVRE TRÂNSITO NO CONDOMÍNIO – Créditos: Arquivo Sabrina Zamith

O processo foi protocolado na Justiça Comum com pedido liminar de tutela antecipada em 21 de março de 2014. A advogada foi pessoalmente despachar e explicar a urgência e a necessidade de concessão de liminar. “Infelizmente, não temos legislação específica sobre o tema e, para o judiciário, os animais são considerados bens móveis”, explica Sabrina Bonini. Apenas três dias depois, porém, o juiz concedia liminar ordenando que o condomínio permitisse a circulação da publicitária com Nahla pela área de serviço.

O condomínio acatou a sentença e o direito de Nahla foi garantido, o que lhe deu maior conforto até seu falecimento em julho de 2015. Inclusive, o condomínio não colocou obstáculos quando, oito meses depois da liminar, a Boxer passou a circular com a ajuda de um carrinho de rodas. Hoje, a publicitária continua no mesmo apartamento com seu outro cão, o Chihuahua Sansão, de 10 anos. Facebook do Galera Pet: www.facebook.com/galerapetparaosapaixonadosporanimais


SABRINA E NAHLA: BATALHA POR UM FINAL DE VIDA DIGNO Créditos: Arquivo Sabrina Zamith 

ATITUDES POSITIVAS

Além do cumprimento das normas condominiais e das leis, uma série de pequenos gestos e cuidados ajuda a atrair a simpatia dos demais condôminos, até mesmo daqueles que olham torto para os animais de seus vizinhos. Aqui vão algumas dessas dicas:


APROXIMAR-SE DE VIZINHO: SÓ SE ELE GOSTAR DE ANIMAIS – ©ebstock/iStockphoto.com 

• Ao conduzir ou transportar o animal, poste-se a uma distância tranquilizadora de quem tem medo dele, mesmo que isso significa que ter de aguardar a chagada do próximo elevador;

• Mantenha sempre o animal bem cuidado, com a pelagem em ordem, odor agradável, livre de pulgas e de outros parasitas e com a vacinação em dia;

• Zele para preservar o equilíbrio comportamental do seu pet. Para tanto, proporcione a ele exercícios e distrações e treine com ele comandos básicos de obediência. Caso o animal esteja com problema de comportamento que afete os vizinhos, como produzir excesso de barulho ou ter atitudes hostis, contrate um profissional para corrigir o mau hábito;

• Se você tiver gatos ou aves, mande telar todas as janelas e possíveis pontos de fuga.

RESOLUÇAO DE CONFLITOS

Para quem está tendo os direitos do animal de estimação desrespeitados, o melhor caminho é a solução amigável, obtida com diálogo e bom senso. Essa é a maneira mais rápida e barata de resolver problemas.

Outro recurso é enviar notificação extrajudicial ao condomínio ou vizinho. O procedimento pode ser feito diretamente pelo interessado ou por advogado e tem como objetivo tentar interromper o comportamento prejudicial, com baixo custo e rapidez. “Trata-se de uma forma inicial de solucionar a questão, já que não envolve o judiciário, mas pode servir para embasar eventual processo judicial”, ressalta o advogado Murillo Onesti

Quando não é possível resolver um conflito de forma amigável, a advogada Sabrina Bonini entende que o melhor caminho é a ação judicial na esfera cível. Quem deve movê-la é a parte que se sentir ofendida, seja o responsável pelo animal seja um condômino ou o próprio condomínio.

O objetivo é fazer cessar o problema imediatamente por determinação judicial, por meio de liminar, e obter ressarcimento financeiro pelos danos morais sofridos, bem como pelos danos materiais, caso existam.

Sabrina adverte que um mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral.


POST NO GALERA PET COMEMORA CONQUISTA JUDICIAL

  “Além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras a ponto de romperem o equilíbrio psicológico do indivíduo”, opina.

A ação judicial é interposta na Justiça Comum (Estadual), normalmente seguindo o rito dos Juizados Especiais Cíveis, criados juntamente com os Juizados Especiais Criminais pela Lei 9.099/95. A modalidade existe para resolver com rapidez e de maneira informal causas consideradas simples, buscando sempre que possível a conciliação e o acordo entre as partes. O valor das ações ajuizadas no Juizado Especial Cível não pode passar de 40 salários mínimos (esse teto é superável em alguns casos listados no Código de Processo Cível, Lei 5.869/73, artigo 275). O processo costuma demorar entre 1 e 2 anos para ser concluído, mas há casos que se prolongam um pouco mais. Se o valor da causa for de até 20 salários mínimos, a própria parte poderá formular pessoalmente o pedido de maneira simples e participar dos atos do processo sem precisar contratar advogado. Já nas ações de valor superior, a presença de advogado é obrigatória.


Para baixar o manual: Animais em Condôminios, da Anda, por Daniela Catelli: http://goo.gl/KRd6Ns


 

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